domingo, 20 de janeiro de 2019

ARTIGO CIENTÍFICO SOBRE A LOGÍSTICA APLICADA

Existem no mercado de consumo fogões de muitas bocas, seja para uso doméstico, seja para uso industrial. Conquanto, o que nos interessa é o de uso doméstico e, neste caso, o de duas bocas tão somente. Sabemos que existem os de cinco, quatro, três e até uma única boca. Aqui, no entanto, repito, prevalecerá o de duas bocas. Por qual razão? É que este é típico em espaços de habitação vulgarmente conhecidos como kitnets. Sendo, portanto, o tipo de público ao qual este artigo se dirige.  Tendo o morador de uma Kit, como popularmente se abrevia, a necessidade de preparar uma refeição que exija um maior uso de cozimento simultâneo, seja por força do tempo disponível, seja em função do tipo do alimento que requer um preparo e consumo imediato, fará ele bom uso deste artigo. Penso que duas bocas não requerem mais do que duas panelas. Afinal de contas, se é somente dois queimadores no fogão que se possui, porque deveríamos ter mais que duas panelas?
O que torna o processo de culturalização da natureza um desafio para quem dispõe de apenas duas bocas é o fato de que, diante de um prato mais elaborado, o jogo que se faz entre as panelas e as bocas e os ingredientes necessários deve ser pensado logisticamente para que a refeição obtenha êxito.
Assim, se se pretende o preparo de um frango de panela e um arroz com legumes o que se deve preparar por primeiro e o que se deve preparar por segundo, terceiro, etc? Que jogo de panelas deve-se    fazer e em qual momento são questões pertinentes neste caso. Asas de frango, por exemplo, devem ter seu preparo iniciado antes do arroz, e os legumes no intermeio dos dois. Mesmo um café com leite acompanhado de torradas deverá ser pensado na perspectiva da logística, principalmente em condições como esta. Pois, note, é necessário que se coloque água no bule, o leite na leiteira e o pão na frigideira ou sanduicheira. Três ingredientes, devem, portanto, serem manejados de maneira que, ao fim de um tempo limite, cheguemos a um café completo fazendo uso de apenas duas bocas. Não falaremos de receitas maiores como uma carne de panela acompanhada de arroz e batata frita, tampouco de um purê de batatas. A complexidade desta receita tornaria o estudo enfadonho. A análise combinatória - ciência matemática bastante útil neste caso - é condição sine quo non para a questão abordada. No entanto, insuficiente por si só, devendo estar essa articulada com a ciência de cada alimento e levar em conta suas especificidades de cozimento e consumo. Seguiremos com o estudo.

DOIS ESTUDOS SOBRE O FOLCLORE DA ILHA DE SANTA CATARINA

O MITO DO MATUSALÉM DOS BARES 

É conhecido de todos os cristãos dos bares a narrativa bíblica do velho Matusalém, que viveu 969 anos. Certamente, sua aparência física não foi capaz de acompanhar sua idade, possuindo, provavelmente, uma aparência muito mais jovial do que seus longos anos. Ocorre que nesta ilha mágica de tantos mitos os nossos incansáveis mitólogos descortinaram outro surpreendente mito que se parece muito com a história bíblica. Contam nossos especialistas que existe circulando pelos nossos bares um ancião boêmio de idade indeterminada, muito velho realmente. É o que se vê pela sua aparência física. Mas este mito é o oposto da narrativa bíblica. Enquanto o Matusalém bíblico tinha a aparência de alguém que se sabia ser muito velho, contudo imagino que não se podia dizer que era tão velho quanto acabou por viver. O ancião dos nossos bares – o Matusalém ilhéu – traz as marcas de um homem velho, judiado pelo tempo, - nota-se na aparência - porém este não tem mais que trinta anos. Eis a sabedoria do mito: a boemia nos bares é um catalizador feroz do envelhecimento precoce.


O MITO DO LAMBISOMEM 

Há muito que já se provou a existência de reais Lambisomens vivendo entre nós. Basta que se vá na Rua do Príncipe pela madrugada, no centro de Desterro, onde jaz entre prédios modernamente horrendos a secular igreja de Nossa Senhora do Parto que já não atrai nem espanta ninguém, que se diga os Lambisomens. Nos interstícios da cidade, nos meretrícios e hotéis baratos, lá estão eles, a espreita pela próxima vítima. Contudo, nos bares da ilha o Lambisomem ainda é um mito, pois temendo serem fustigados pelos normais vivem entre os frequentadores de bar anonimamente. O Lambisomem, descobriu-se, é parente próximo do famigerado Chupa-cabra. Este, no entanto, preferiu vitimar animais ao invés de humanos. Mas o Lambisomem tem um objetivo na sua vida mítica: encontrar o célebre Saci-pererê. Explicam os mitólogos que a razão de tamanha atração do Lambisomem pelo Saci repousa no fato de que, na verdade, este ser mítico anda sim sobre um membro, porém não é uma perna.


ENSAIO DE GRANDE VALOR CIENTÍFICO SOBRE OS TRÊS ESTÁDIOS DA GLUTONARIA

Quanta alegria é dar de olhos em um belo prato de comida, uma mesa soberbamente coberta pelas maiores delícias da cultura gastronômica. O cheiro que antecede ao churrasco, o próprio churrasco quando pronto. Um pão saído do forno. Ó, como é jubiloso! A comida, neste estádio, é um horizonte de prazeres infinitos. O mundo se converte em cores alegres. Deleite do espírito aos prazeres da carne. Um universo perfeito que a mente constrói meramente em função do olfato. 

Quando então nos colocamos a comer, que prazer! Já estamos então no segundo estádio da glutonaria. Não são poucos os que comparam o gozo da comida com o gozo do ato sexual. Um saboroso pastel de queijo. Deus! Um belo pedaço de costela bovina passada na farofa e depois um gole de cerveja. Cada mastigação é sentida como uma masturbação gástrica de ordem divina. Cada engolir é um gozo. 
Esperar-se-ia que após tantos gozos a alegria se estabelecesse novamente. Contudo, o transbordamento de prazer leva a uma fadiga física inevitável. E como a mente e o corpo formam um todo harmônico e indissociável, a fadiga mental também é consequência certa. 
A comida em exagero é embrutecedora e desnecessário. Somos por vezes levados a cometer esse pecado capital. Os pecados não são mais do que a constatação da imperfeição humana, a rejeição a comportamentos ancestrais dos quais muitos destes relutamos em praticar. Uns cometem o pecado da gula mais e outros menos, é, afinal, um comportamento inerente ao ser humano. O que nos conduz ao terceiro e último estádio da glutonaria: o da tristeza, acompanhada da culpa por um ato que lhe pesou fisicamente e até mentalmente. 
Conclui-se que alegria, prazer e tristeza são os estádios, exatamente nesta ordem, que se observam à mesa. Certamente é perfeitamente possível não se chegar ao estádio da tristeza se o comensal for regrado. Porém, os estádios da alegria e do prazer todo ser humano haverá de passar.

APELO DA CIÊNCIA EM NOME DE NOSSOS POMBOS

    Quem salvará nossos pombos?! Já fazem algumas décadas que os nossos pombos caminham para uma existência de insubmissão e miséria. Tudo começou com o advento dos correios, seguido do telégrafo, do telefone, e por fim a internet. O pombo perdeu sua mais ilustre e útil função: o de levar mensagens. Agora o pombo se entrega a miséria e a mendicância por toda a cidade. Nas praças e nos terminais de ônibus, nos bulevares e nas catedrais. Muitos com sérios problemas físicos. Desfigurados por conta de acidentes pela cidade. Obesos pelo consumo de alimentos industrializados, os pombos estão a ponto de não voarem mais. Vivem da mendicidade e no ócio. Não se animam nem mesmo com uma minhoca. Preferem o sabor barbecue de alguns salgadinhos ou o apelo colorido da pipoca doce. 
    Lembro os leitores, para que se compadeçam, que estes pombos de nossa Desterro são herdeiros de uma família com história. Seus avós e bisavós-pombos foram testemunhas de um tempo inigualável nesta ilha. O tempo do grande poeta Cruz e Souza! Os antigos pombos desta ilha certamente assediaram esta ilustre figura. De certo o viram escrever em algum banco da praça, declamar em algum café, ler seu jornal ou livro. Clamaram para ele, talvez, por um alimento. Quem sabe mesmo - com o perdão da expressão vulgar - não cagaram na sua cabeça (se tão desafortunada foi a sua existência, como nos conta sua biografia, então não é um exagero pensar nesta possibilidade).
    Os pombos estão entregues a indiferença humana. "Porcalhões!", indagam alguns. "Transmissores de doença e impertinentes!",  vociferam outros tantos. Esses são alguns dos adjetivos preconceituosos que se ouve pela cidade. Contudo note, estas aves já foram assimiladas pela cidade. Tornaram-se pequenos trabalhadores desta. Aparentemente inúteis no seu ofício, a presença do pombo é necessária, diria mesmo imprescindível. Ele é uma espécie de pequeno lixeiro a catar tudo o que caiba em seu pequeno bojo. Além do que, o pombo é um adereço da paisagem em fotos turísticas e artísticas. De resto, sua carne é iguaria apreciada pelo gourmet urbano. Santo Deus, nada mais útil! 
    Por essa razão e como defensor dos pequenos é que suplico: salvem nossos pombos!

(revisado em 26/01/2021)

terça-feira, 19 de abril de 2011

ENSAIO FISIOLÓGICO SOBRE A ORELHA

Afligi-me saber que quando na ancianidade tornar-me-ei um orelhudo. Por enquanto, por conta do privilégio hereditário, vivo a satisfação de ter, como tantos, um par de orelhas médias. Venho tentando superar desde a infância uma série de complexos psicológicos que a sociedade com seus valores ideais nos imputam e já me considerava bastante satisfeito, ainda que não totalmente descomplexado, para seguir até a próxima etapa da vida com maior segurança quanto a minha aparência. Mas eis que no meu ocaso, na velhice do meu corpo, quando imaginaria ter alcançado todo o respeito e a admiração de alguém muito vivido e experiente, terei então que passar por tão brutal mudança física.
Não ignoro - e sinceramente lamento - que os sujeitos nascidos com uma orelha grande serão sempre muitíssimos mais infelizes que os de orelhas médias já que quando idosos aqueles terão orelhas deveras grandiosas, assustadoramente bestiais.
E rirão sempre melhor, porque por último, os sujeitos de pequenas orelhas. Ainda que tenham passado a vida descontentes com a desproporcionalidade de suas orelhas em relação ao restante do corpo e, por isso, sempre as escondendo sob capuzes e cabelos compridos, por fim reinarão no reino dos velhos de orelhas medianas. Claro é que o destino de alguém dotado de pequenas orelhas será, quando maduro, tê-las médias. E como nunca em suas lastimáveis vidas de orelhas ocultas notarão e exibirão com orgulho suas agora perfeitas orelhas medianas.
Mas nós, os sujeitos natos de orelhas médias, seremos tão infelizes na velhice! Tão mais quanto for o crescimento de nossas orelhas, outrora de áurea proporção e exibida aos quatro cantos displicentemente. Observaremos a cada ano da velhice e mediremos com temor o crescimento constatado. Choraremos as lágrimas de um corpo que insiste em nos afirmar que a vida é movimento e que a permanência é só um conceito e nada mais.
Antes, porém, choro as grandes orelhas que terei e assim espero apaziguar o desgosto futuro de ser o que nunca fui: um orelhudo.

domingo, 23 de janeiro de 2011

CRÍTICA DA FACULDADE DE COMER

Comer, comer, comer. É no que as pessoas mais pensam. É o que elas mais fazem. Através do vidro do expositor exibem-se os brilhantes alimentos aos olhos dos glutões. Para todos os preços. Para todos os gostos. O que, mormente, se faz na sociedade de consumo é, definitivamente, comer. Come-se e comeu-se à farta. Na história da humanidade mastigar um alimento sempre foi um ato reproduzido infinitamente, visto que necessário. Preparar a refeição talvez tenha sido nos primórdios da sociedade a primavera da cultura. O domínio do Homem sobre a Natureza. É claro que comer é uma necessidade fisiológica do ser humano, essencial para a sua sobrevivência. Contudo, sua função primitiva de simplesmente cessar a fome foi, faz séculos, sobrepujada pelo prazer efêmero e vazio de se comer com forma e estilo. Passam-se os olhos por uma vitrine de doces com a mesma atitude que se passa por uma vitrine na loja de roupas.

Na contemporaneidade, a necessidade de se comer se converte no desejo de se comer. Num querer onde o tamanho do estômago muitas vezes não é o limite. Não se sente fome, apenas. Nem mesmo é necessário que se tenha. Sente-se desejo, têm-se ambições por alimentos. É a era do gastro-consumismo. A exploração do alimento pela indústria quer aguçar a cobiça dos consumidores, tornando-os consumistas voracíssimos. Os resultados muitas vezes dão em invenções bizarras, em problemas de saúde por conta de uma alimentação pobre em nutrientes - embora com uma bela aparência, cheiro e até gosto. Tudo produzido com todo o cuidado em laboratórios especializados. É a era do gastro-simulacro. Imitam-se o gosto de carnes nobres, frutas raras, sucos naturais. Não posso senão incitar o gastro-consumidor afim de promover a inversão destes pseudo-valores. Pensemos, ao invés do consumismo, no consumerismo: o consumo consciente. Lembremos que por trás de um folhado de frango existe, na verdade, um esfolhado de frango -  digo, um frango esfolado. E bebamos sempre cerveja em garrafa de vidro que é ecologicamente correta!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

FUNDAMENTAÇÃO METAFÍSICA DO ALCOOLISMO

 O álcool, enquanto é consumido, debilita o bebedor fisicamente e o anima espiritualmente. Este é o paradoxo do alcoolismo. Enquanto vai se bebendo, o corpo perde paulatinamente seu equilíbrio, o controle preciso sobre os movimentos, a articulação da fala; enfim, todos os sentidos são vítimas da ação nefasta da bebida alcoólica.
Ao mesmo tempo em que quedam os sentidos e movimentos do corpo, ascendem as qualidades espirituais. O sujeito torna-se sincero, afetuoso, companheiro e altruísta. A capacidade de filosofar nasce em quem não havia e cresce em quem é sempre pequena. Não quero dizer que simplesmente enchendo-se a cara, enfiando-se o pé na jaca ou entornando-se o caldo teremos uma sociedade de alcoólicos filósofos. É um exagero comparar o álcool a um tônico eficiente para o espírito. 
Naturalmente que estes dois paralelos, o ânimo espiritual e a debilidade física, se encontram em algum ponto do horizonte quando se bebe em excesso. Daí então o álcool já não anima mais o espírito. Este que se une ao que antes fora seu oposto, a debilidade física. O espírito dá princípio a uma queda que acompanha o corpo. Até agora nos encontramos no campo da imanência do sujeito alcoolizado. 
O fim desta queda é quando se atinge um nível de álcool tal que o sujeito perde a memória por completo. Este é um estado que muitos de nós já passamos. Bebe-se em tão grande exagero e descontrole que quando transcorrido o efeito da bebida nota-se a perda da memória. Não por descoberta própria obviamente, mas porque os outros presentes lhe narram os fatos.
O momento da perda da memória significa que o espírito do sujeito alcooliza passou para outro plano de existência, outra realidade onde seu corpo físico não pode lhe acompanhar. Sendo a memória uma capacidade inerente ao cérebro e sendo este matéria, o espírito quando alcança o outro plano não poderá lembra-se do que se deu no plano onde deixou seu corpo. A memória daquele plano, se existindo, só a ele pertence e só lá poderá ser acionada. Chamamos a isso de transcendência do sujeito alcoolizado. Note o leitor que a transcendência exige grande esforço do sujeito, o que o debilita severamente após retornar ao plano de seu corpo físico.
Fundamentou-se acima a metafísica do alcoolismo.

ARTIGO CIENTÍFICO SOBRE O CORPO LÚDICO

Não há criança ou adulto que discorde da ideia de que o corpo é possibilidade, meio e também fim para o jogo e a brincadeira. Haverão sempre de concordar com isso, pois ambas as gerações - ainda que de formas distintas - mantém em essência a mesma gênese e o mesmo princípio diretor desta ideia. Para a criança, recém vinda ao mundo, o peito é a primeira experiência lúdica com o corpo. Sua forma rotunda, que no período de amamentação ganha em volume por conta do leite que se produz, é enfática: brinque comigo!
O bebê então sorri, e enquanto cresce cria situações imaginárias cada vez mais complexas cujo peito é parte fundamental. Esta primeira experiência lúdica do ser humano o marcará para sempre. Se homem for, cultivará por toda sua vida o culto ao peito feminino - sua fruição, não exagero, no mesmo plano da arte. O adulto exerce forma de brincar com o corpo diversamente da criança. Aquele é um explorador mais ousado. 

Note o leitor e mesmo a leitora que estas duas gordas esferas não são aqui banalizadas como uma bola de brinquedo qualquer. Os seios do corpo feminino carregam a quintessência da vida. O sangue quente circula dentro deles e os integra num todo, constituindo um ser singular. A brincadeira com o corpo é uma experiência única a cada vez que se realiza, visto que o corpo está em constante mudança. 
A mulher também dá valor lúdico aos seus seios conferindo importância especial ás suas vestimentas no que concerne a cobertura deles. A fêmea humana, adulta ou criança, também lida de maneira lúdica com o corpo, certamente dentro de seu universo imaginário. 
Na adolescência muitos de nós tivemos uma arrojada brincadeira com nosso corpo que então se repetiu muitas vezes. No nível na vivência sexual a brincadeira com o corpo alcança outras constelações. A ludicidade, em verdade, não é mais que reflexo do ser humano, expressa a sua essência e a da própria vida: a criatividade. Da criatividade nasce o riso, a brincadeira, o folguedo e a arte. 
Mas o corpo-brinquedo não se esgota em possibilidades de dar ensejo ao divertimento do outro ou de si. Nas montanhas que chamam nádegas a imaginação não vê limites. Para o homem, ninguém ignora, a bunda feminina é brinquedo dos mais procurados - e por vezes dos mais caros que se pode ter. O dorso feminino é lugar rico de divertimento que sua silhueta evoca. As pernas femininas são prados belíssimos e delgados que nos dirigem diretamente paro o gozo transitório da vida.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESCOBERTA DA ORIGEM DO EGOÍSMO REFLEXO

Pude constatar em pesquisa empírica um resultado relevante para as ciências comportamentais. Descobri que quando damos um objeto na forma de presente ao outro simplesmente porque nós gostamos do presente, não importando o interesse do outro, então estamos praticando uma forma de egoísmo reflexo. Eu explico: o egoísmo reflexo está na minha atitude de dar a o outro o que eu gosto ou o que eu gostaria de receber de presente se fosse eu o presenteado, ou ainda, o que eu gostaria de ver o outro possuindo. O outro não importa, ainda que o presente signifique, contraditoriamente, que o outro importa. É como se falasse: "Eu pago o presente, eu escolho. Portanto, não reclame!".
Numa situação onde se presenteia alguém, o sujeito se vê na impossibilidade de se negar a dar ao outro um objeto na forma de presente por conta do valor moral deste ato, vinculado a um rito ou prática social, que o obriga moralmente a tal. Assim, procurando escapar ao prejuízo, o sujeito inverte o processo e presenteia a si mesmo, embora não materialmente - visto que a matéria é o objeto que é dado - mas simbolicamente, subjetivamente, satisfazendo seu ego com aquilo que é do seu gosto. Essa satisfação começa na escolha e se realiza completamente na compra.
É o Natal um momento rico em exemplos de egoísmo reflexo. Pois esta data nos obriga moralmente a dar presentes ao outro. O que nem sempre nos garante receber algum. Isto certamente contribui para o egoísmo reflexo. Sem dúvida que o egoísmo reflexo se manifesta em outros ritos do tipo que se presenteia o outro, além do Natal. O aniversário, a páscoa e o dia das mães são outros exemplos típicos destes ritos e lugar comum para as manifestações de egoísmo reflexo. 
Quando o ato de presentear se libera do rito, torna-se um dar por dar, sem data especial. Aí que a máscara do rito despojada mostra então sua face mais mesquinha.

APOLOGIA AO SISTEMA CINÓFERO EM DESTERRO

Digo com toda a autoridade da ciência que um sistema cinófero, se instalado em Desterro, é capaz de solucionar, de imediato, dois grandes problemas desta ilha, e depois destes, outros tantos que a estes se unem. Esta apologia ao sistema cinófero é um clamor para a sua implantação por parte dos políticos desta cidade, tendo em vista ser solução factível e de baixíssimo ônus aos cofres públicos e privados. No que diz respeito ao transporte coletivo na ilha, o preço da passagem tem o foco da discussão dos cidadãos. Esta que é uma das tarifas mais caras do Brasil, comprometendo boa parte da renda das famílias que tem no transporte coletivo, por vezes, o único meio de se deslocar na cidade. Por outro lado, o empresário que explora o transporte coletivo culpa o preço do combustível pelo alto preço da passagem. 
Ora, um sistema cinófero é, sem qualquer dúvida, uma solução excelente, tendo em vista que não faz uso de combustível convencional, fazendo, por conseguinte, com que o preço da passagem forçosamente caia em percentual considerável. Em contrapartida, o sistema cinófero tem ainda a vantagem de solucionar o problema da grande quantidade de cães abandonados às ruas. São muitas as matilhas sedentas que vagueiam pelos bairros apavorando os transeuntes desprevenidos. Além do que, cenas de cópula entre cães têm acontecido em qualquer lugar e a qualquer hora, constrangendo severamente cidadãos de ambos os gêneros. 
Veja o leitor que por esses dias eu caminhava pela rua do cemitério da Lagoa da Conceição enquanto se realizava ali um velório. Boa parte dos presentes, além de tristes pela perda de um ente, foram levados a testemunhar o coito entre dois cães, estes totalmente indiferentes ao drama humano, em frente à porta da capela em que se realizava a cerimônia fúnebre. Um sistema cinófero tem a vantagem de tirar estes cães da vadiagem nas ruas e dá-los uso nobre. Por conta da solução do problema do preço do transporte coletivo e o excesso de cães de rua na cidade outros problemas - como o fim do ruído e da poluição dos ônibus, a diminuição de ataques por cães e a redução considerável de fezes caninas nas ruas - serão solucionados em seguida.
       Ao leitor que ignora o que seja um sistema cinófero, esclareço que se trata da invenção profética de um brasileiro de renome. Este visionário imaginou um sistema de transportes onde vagões seriam puxados por cães. Daí o nome se constituir dos morfemas cino (cão), e fero (ferro, vagão). Eu apenas adaptei a ideia, retirando-a do contexto histórico do vagão e atualizando-a ao contexto no ônibus. Mas quantos cães são necessários para puxar um ônibus? Cinqüenta talvez. Cem, dirão tantos. Que seja, temos aos milhares vadiando pelas ruas. Eis como um sistema cinófero é eficiente! Espero apenas que os políticos e a sociedade olhem com interesse para uma solução tão benéfica e inteligente como esta.

ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE O FOLGUEDO NO BAR

O substantivo "folguedo" tem seu sentido ligado aos festejos populares de espírito lúdico que se realizam com regularidade no decurso dos anos. São diversas as modalidades de folguedo, incluindo-se o carnaval, as festas juninas, entre outras festas. Mas o folguedo no sentido lato significa brincadeira e divertimento, recreio e farra, folgança e folia. A palavra é um derivativo de folga. Divertimento que se faz em momento de folga, portanto. Posto que não se trate de um ensaio etimológico, importa que, considerando o significado da palavra, compreende-se que o folguedo pode acontecer em situações diversas. E o bar é um lugar que proporciona uma dessas situações que possibilitam a realização do folguedo. Lá onde o doutor afrouxa a gravata, onde enrubesce o maior dos desinibidos. Lá onde a patuscada dura uma vida e onde o vadio é rei. A brincadeira é a língua geral dos bares. Ora se está armando brincadeira com alguém, ora se é vítima, mas sempre se ri ao final. Quem, afinal, não amolece após uns goles de bebida alcoólica? 
O folguedo só é possível em grupo, seu significado simbólico é uma construção social. Daí decorre seu valor. Valoriza-se o outro, pois se vê o outro como aquele cuja presença é fundamental para a satisfação individual. O folguedo é criativo na essência. Brincar é um exercício de criatividade. Não é no comum do cotidiano que se acha o folguedo. Este está para além da rotina. A criatividade, inerente ao folguedo, só se realiza em situação de liberdade. E a liberdade está no bar, lugar da liberação dos indivíduos pelo álcool. O álcool é, portanto, um facilitador do folguedo. Não é necessário nenhum tipo de aparato material para se realizar um folguedo, bastam pessoas. Sê bêbados, então a brincadeira corre larga. É natural, portanto, que a bebida alcoólica esteja presente em todas as festas de folguedo. Mas a bebida alcoólica é para os adultos, duros que são e já incapazes de realizarem folguedo de maneira espontânea como a criança. Logo se compreende porque o bar é o lugar do folguedo. Bem poderia ser o Tribunal de Contas do Estado, se houvesse lá a vadiagem alegre e ruidosa dos bares e a venda de cachaça e cerveja.

ALGUNS FUNDAMENTOS PARA UMA CIÊNCIA DO SER SIMPÁTICO

O grupo de pesquisa do qual faço parte vem por meio desta divulgar alguns resultados um tanto interessados sobre essa nova ciência por mim fundada. Não só poetas são fingidores. Na vida podemos responder aos interesses das pessoas de tal maneira que, na medida em que respondamos de forma correta, seremos aceitos. Trata-se de uma fórmula bastante conhecida e largamente utilizada a do ser afável. Contudo, o que é bom deve ser sempre lembrado. Vendedores e políticos são os que mais se beneficiam desta fórmula pela habilidade com que estes a manipulam. É preciso firmeza nos músculos da face para manter-se sempre agradável e alegre. Uma câimbra que seja pode comprometer toda a fórmula.
Para ser um sujeito aprazível é fundamental ser cortês e prazenteiro. Conquanto que se venha logo risonho. Mas que não se exagere para não parecer deboche, e também porque é um tolo aquele que ri todo o tempo. E que se seja simples, na medida. Uma apresentação em primeira instância sem mostrar os dentes o tornará um mal humorado e sério por demais para os outros de imediato e para sempre. Quando encontrar-se com um grupo, a boa conduta pede que se cumprimente a todos, sem exceção. Saiba que aquele único sujeito que você não cumprimentar poderá lhe pesar mais tarde. Observe a vestimenta que deve ser sóbria, sem exageros. 
       Procure usar roupas mais ou menos independentes da moda. Entretanto, no caso de um grupo fazer uso rigoroso desta, recomenda-se fazer o mesmo pelo menos quando na presença deste grupo. O semblante deve estar fresco. Desde que não se exceda no frescor para não ser tomado por um vaidoso afetado, ou pior, um homossexual enrustido. Barba e cabelo devem estar preferencialmente feitos ou então muito bem aparados - isso se não se tratar de buscar a simpatia de um grupo de roqueiros cabeludos, obviamente. No diálogo, concorde com todos, acredite em tudo e ria de todas as piadas. Argumento pouco, quase nada. 
Cuide, porém, para não deixar de argumentar algo de modo que não pareça um ignorante sem opinião que se deixa levar pelos outros como um barco que se entrega aos movimentos incertos das correntes marítimas. O elogio deve-se prodigalizar a todos. Em momento algum permita o silêncio, rompendo-o no imediato instante em que ele se instale. A conversa não pode parar, o silêncio é intolerável entre estranhos. Bem como é intolerável o sujeito calado. Assuntos suaves, que não provoquem divergências ideológicas, são o ideal. 
Prefira temas banais que gerem respostas uníssonas; "Será que chove?"; "O verão promete calor!"; etc. Em refeições, beba e coma moderadamente. Pois certamente não quererás o epíteto antipático de glutão. Quando de pouso em casa alheia, acorde cedo, mas não demais para não acordar os outros. Jamais espere ser acordado. No caso de haver crianças por perto, considere que garotinhos impertinentes devem ser engolidos com doçura. Não mais, seja humilde, levemente curvado, porém não medíocre. O humilde é admirado como valor do ser regrado, enquanto que o medíocre não é tolerado, pois é tomado como um incapaz. Mas, principalmente, tenha sempre em mãos o material fundamentalmente necessário para ser sempre simpático: vaselina.

ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE DIONÍSIO NO BAR

álcool libera. Há no etilismo uma busca por esta liberalidade que quando alcançada, rompe-se com a ordem, suspende-se a norma. E esta suspensão é, sobretudo, imanente. Ou seja, ela se dá de dentro para fora do sujeito alcoolizado. Processa-se, através do álcool, o rompimento das amarras existenciais. É aí então que o ébrio se mostra como sujeito de caráter singular, único. Dá-se, assim, um cair sucessivo de suas personas. 
O que resta deste desmascaramento engendrado pelo álcool é a singularidade do sujeito, verdadeiramente. A embriaguez não é simplesmente um beber movido por um hábito, vazio de sentido. Nela o sujeito morre como ser oprimido, castrado, cerceado, para renascer livre. Beber é, portanto, um rito. Um rito de passagem do homem acorrentado, amordaçado, para o homem liberto. E o lugar privilegiado para a execução deste rito é, indubitavelmente, o bar. Lugar onde o contexto de uma maior liberalidade incita a liberalidade do sujeito por meio do álcool. 
No bar a imolação, ou melhor, o hekatómbe se realiza no interior do próprio sujeito. Este, na medida em que bebe, vai aos poucos sacrificando suas personas, construídas ao longo de uma vida para a convivência social no âmbito formal da vida, principalmente. Terminado o rito, findada a embriaguez, vinda a ressaca, o sujeito, agora renascido, pode novamente enfrentar a sociedade com suas forças renovadas. Até, pelo menos, a próxima hora feliz no bar.

ARTIGO CIENTÍFICO SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE O BAR E O SALÃO DE BELEZA

Há um universo masculino e outro feminino, já sabemos. Em cada um destes universos existe um lugar privilegiado de encontro e discussão próprios. Trata-se de um sectarismo sexual socialmente e informalmente estabelecido pela necessidade que males e females tem em encontrar seus iguais a fim de tratarem de assuntos que só a cada gênero interessa. Questão de sobrevivência. Se para o homem esse lugar é, em geral, o bar, para a mulher certamente é o salão de beleza. As mulheres não são e nunca foram dadas a bebidas alcoólicas em exagero, ao cheiro forte de um banheiro de bar ou qualquer outra grosseria ambiental.
Por isso elas criaram um ambiente social análogo ao bar, porém em acordo com a sensibilidade feminina. Ali a chalaça feminina te seu lugar confortável, limpo, de bons ares, onde a cerveja e a cachaça é substituída pelo chá ou café e o garçom pelo cabeleireiro. Tanto aqui quanto ali se evocam assuntos de todos os níveis. Criticam-se ou exaltam-se os cônjuges. Lamenta-se ou celebra-se a vida. Cá e lá, cabeleireiros e garçons tornam-se confidentes. Donos de salão e donos de bar esbravejam contra os impertinentes e maus pagadores. Se no bar o preço da cerveja movimenta multidões de machos, no salão de beleza ocorre o mesmo quanto ao preço do corte de cabelo, da escova ou da pintura. Salões de beleza multiplicam-se pela cidade e já contam em número muito próximo ao de bares.
       O que pode haver de utilidade prática na digressão acima para nós? Lhe digo: se sua mulher vai ao salão de beleza, nesse preciso momento vá você ao bar. Se fores ao bar então diga a ela que vá ao salão, e que não tenha pressa de voltar. Assim ambos os sexos estarão sempre satisfeitos um com o outro. Ao fim, quando se encontrarem, teremos a celebração das qualidades avultantes de cada um do par.
       De um lado o homem com sua protuberância abdominal depois de horas comendo e bebendo excessivamente. Seu aspecto é a de um bêbado qualquer encerrando em si todos os odores possíveis de existirem em um bar. Desde o cheiro de álcool, passando pela fritura, até chegar ao tabaco. Roupas amarrotadas, cabelos desgrenhados, transpiração excessiva, ele se arrasta alegre ao encontro de sua mulher que acaba de sair do salão. E lá está ela! Cabelos alinhados, perfeitamente tingidos, sobrancelhas feitas e maquiagem exuberante, perfumes florais e amadeirados levam-na numa nuvem delicada e sutil.
Aos poucos, porém, tudo volta ao seu normal. O homem, longe do bar, agora está sóbrio, faz a barba e penteia-se. Arruma-se com roupas engomadas e elegantes para ir trabalhar. Na mulher, por sua vez, vence a pintura e os cabelos brancos avançam, o toucado deforma, a maquiagem derrete, crescem as sobrancelhas. Toda essa dualidade nos mostra, em resumo, que o bar é um mal passageiro e o salão de beleza um bem também passageiro - logo, se sua mulher é feia, será um mal eterno. Mas ainda assim tornamo-nos feios para nossas mulheres e que elas se embelezem para nós, nessa roda sem fim. Eterno retorno.

FUNDAMENTOS PARA UMA FILOSOFIA DOS BARES

Em tempos de individualismo exacerbado, de crise intelectual e da mesquinhez das relações sociais prefere-se as discussões rasas, os assuntos órfãos que se abandonam e se adotam ao acaso. É a economia dos neurônios. Um sujeito sábio quando sentado em uma mesa em que prevalecem pessoas ignorantes será sempre tão ignorante quando um ignorante sentado em uma mesa em que prevalecem pessoas sábias. Os espíritos de hoje se furtam de maiores esforços e saltos demasiado largos em questões relevantes, afora os pedantes. É a economia do pensar. 
É contra essa economia que vos digo, e vos digo também que devemos estar sempre prontos a ouvir com interesse o que o outro sentado na mesa do lado tem para nos dizer. Temos em nossos bares gentes diversas de vivências diversas, que seguem sistemas filosóficos próprios os quais valem muito serem apreciados. Destes filósofos empiristas, que em nossos bares muitos frequentam, cada qual nos ilumina para nobres valores e nos repele a outros tantos que não são tão nobres assim. Claro, nem tudo é perfeito e devemos ter discernimento, afinal. Um dos mais emblemáticos boêmios da história e filósofo dos bares nos legou essas sábias palavras:

[...] em sociedade deve [-se] prestar atenção a tudo, [...] os primeiros lugares são muitas vezes ocupados pelos menos capazes e o bafejo da sorte quase nunca atinge os competentes. [...] não raro, enquanto conversam à cabeceira da mesa acerca da beleza de uma tapeçaria ou do sabor da malvasia, bons ditos se perdem do outro lado. Terá de sondar o valor de cada um: boiadeiro, pedreiro ou viandante. Cada qual em seu domínio pode revelar-nos coisas interessantes e tudo é útil para nosso governo." (MONTAIGNE. Ensaios I. Cap. XXVI. p. 83. 1580)

Montaigne, boêmio do séc. XVI, resume acima de forma belíssima o espírito filosófico fundamental que deve fazer parte de uma filosofia dos bares.