Afligi-me saber que quando na ancianidade tornar-me-ei um orelhudo. Por enquanto, por conta do privilégio hereditário, vivo a satisfação de ter, como tantos, um par de orelhas médias. Venho tentando superar desde a infância uma série de complexos psicológicos que a sociedade com seus valores ideais nos imputam e já me considerava bastante satisfeito, ainda que não totalmente descomplexado, para seguir até a próxima etapa da vida com maior segurança quanto a minha aparência. Mas eis que no meu ocaso, na velhice do meu corpo, quando imaginaria ter alcançado todo o respeito e a admiração de alguém muito vivido e experiente, terei então que passar por tão brutal mudança física.
Não ignoro - e sinceramente lamento - que os sujeitos nascidos com uma orelha grande serão sempre muitíssimos mais infelizes que os de orelhas médias já que quando idosos aqueles terão orelhas deveras grandiosas, assustadoramente bestiais.
E rirão sempre melhor, porque por último, os sujeitos de pequenas orelhas. Ainda que tenham passado a vida descontentes com a desproporcionalidade de suas orelhas em relação ao restante do corpo e, por isso, sempre as escondendo sob capuzes e cabelos compridos, por fim reinarão no reino dos velhos de orelhas medianas. Claro é que o destino de alguém dotado de pequenas orelhas será, quando maduro, tê-las médias. E como nunca em suas lastimáveis vidas de orelhas ocultas notarão e exibirão com orgulho suas agora perfeitas orelhas medianas.
Mas nós, os sujeitos natos de orelhas médias, seremos tão infelizes na velhice! Tão mais quanto for o crescimento de nossas orelhas, outrora de áurea proporção e exibida aos quatro cantos displicentemente. Observaremos a cada ano da velhice e mediremos com temor o crescimento constatado. Choraremos as lágrimas de um corpo que insiste em nos afirmar que a vida é movimento e que a permanência é só um conceito e nada mais.
Antes, porém, choro as grandes orelhas que terei e assim espero apaziguar o desgosto futuro de ser o que nunca fui: um orelhudo.