domingo, 20 de janeiro de 2019

ARTIGO CIENTÍFICO SOBRE A LOGÍSTICA APLICADA

Existem no mercado de consumo fogões de muitas bocas, seja para uso doméstico, seja para uso industrial. Conquanto, o que nos interessa é o de uso doméstico e, neste caso, o de duas bocas tão somente. Sabemos que existem os de cinco, quatro, três e até uma única boca. Aqui, no entanto, repito, prevalecerá o de duas bocas. Por qual razão? É que este é típico em espaços de habitação vulgarmente conhecidos como kitnets. Sendo, portanto, o tipo de público ao qual este artigo se dirige.  Tendo o morador de uma Kit, como popularmente se abrevia, a necessidade de preparar uma refeição que exija um maior uso de cozimento simultâneo, seja por força do tempo disponível, seja em função do tipo do alimento que requer um preparo e consumo imediato, fará ele bom uso deste artigo. Penso que duas bocas não requerem mais do que duas panelas. Afinal de contas, se é somente dois queimadores no fogão que se possui, porque deveríamos ter mais que duas panelas?
O que torna o processo de culturalização da natureza um desafio para quem dispõe de apenas duas bocas é o fato de que, diante de um prato mais elaborado, o jogo que se faz entre as panelas e as bocas e os ingredientes necessários deve ser pensado logisticamente para que a refeição obtenha êxito.
Assim, se se pretende o preparo de um frango de panela e um arroz com legumes o que se deve preparar por primeiro e o que se deve preparar por segundo, terceiro, etc? Que jogo de panelas deve-se    fazer e em qual momento são questões pertinentes neste caso. Asas de frango, por exemplo, devem ter seu preparo iniciado antes do arroz, e os legumes no intermeio dos dois. Mesmo um café com leite acompanhado de torradas deverá ser pensado na perspectiva da logística, principalmente em condições como esta. Pois, note, é necessário que se coloque água no bule, o leite na leiteira e o pão na frigideira ou sanduicheira. Três ingredientes, devem, portanto, serem manejados de maneira que, ao fim de um tempo limite, cheguemos a um café completo fazendo uso de apenas duas bocas. Não falaremos de receitas maiores como uma carne de panela acompanhada de arroz e batata frita, tampouco de um purê de batatas. A complexidade desta receita tornaria o estudo enfadonho. A análise combinatória - ciência matemática bastante útil neste caso - é condição sine quo non para a questão abordada. No entanto, insuficiente por si só, devendo estar essa articulada com a ciência de cada alimento e levar em conta suas especificidades de cozimento e consumo. Seguiremos com o estudo.

DOIS ESTUDOS SOBRE O FOLCLORE DA ILHA DE SANTA CATARINA

O MITO DO MATUSALÉM DOS BARES 

É conhecido de todos os cristãos dos bares a narrativa bíblica do velho Matusalém, que viveu 969 anos. Certamente, sua aparência física não foi capaz de acompanhar sua idade, possuindo, provavelmente, uma aparência muito mais jovial do que seus longos anos. Ocorre que nesta ilha mágica de tantos mitos os nossos incansáveis mitólogos descortinaram outro surpreendente mito que se parece muito com a história bíblica. Contam nossos especialistas que existe circulando pelos nossos bares um ancião boêmio de idade indeterminada, muito velho realmente. É o que se vê pela sua aparência física. Mas este mito é o oposto da narrativa bíblica. Enquanto o Matusalém bíblico tinha a aparência de alguém que se sabia ser muito velho, contudo imagino que não se podia dizer que era tão velho quanto acabou por viver. O ancião dos nossos bares – o Matusalém ilhéu – traz as marcas de um homem velho, judiado pelo tempo, - nota-se na aparência - porém este não tem mais que trinta anos. Eis a sabedoria do mito: a boemia nos bares é um catalizador feroz do envelhecimento precoce.


O MITO DO LAMBISOMEM 

Há muito que já se provou a existência de reais Lambisomens vivendo entre nós. Basta que se vá na Rua do Príncipe pela madrugada, no centro de Desterro, onde jaz entre prédios modernamente horrendos a secular igreja de Nossa Senhora do Parto que já não atrai nem espanta ninguém, que se diga os Lambisomens. Nos interstícios da cidade, nos meretrícios e hotéis baratos, lá estão eles, a espreita pela próxima vítima. Contudo, nos bares da ilha o Lambisomem ainda é um mito, pois temendo serem fustigados pelos normais vivem entre os frequentadores de bar anonimamente. O Lambisomem, descobriu-se, é parente próximo do famigerado Chupa-cabra. Este, no entanto, preferiu vitimar animais ao invés de humanos. Mas o Lambisomem tem um objetivo na sua vida mítica: encontrar o célebre Saci-pererê. Explicam os mitólogos que a razão de tamanha atração do Lambisomem pelo Saci repousa no fato de que, na verdade, este ser mítico anda sim sobre um membro, porém não é uma perna.


ENSAIO DE GRANDE VALOR CIENTÍFICO SOBRE OS TRÊS ESTÁDIOS DA GLUTONARIA

Quanta alegria é dar de olhos em um belo prato de comida, uma mesa soberbamente coberta pelas maiores delícias da cultura gastronômica. O cheiro que antecede ao churrasco, o próprio churrasco quando pronto. Um pão saído do forno. Ó, como é jubiloso! A comida, neste estádio, é um horizonte de prazeres infinitos. O mundo se converte em cores alegres. Deleite do espírito aos prazeres da carne. Um universo perfeito que a mente constrói meramente em função do olfato. 

Quando então nos colocamos a comer, que prazer! Já estamos então no segundo estádio da glutonaria. Não são poucos os que comparam o gozo da comida com o gozo do ato sexual. Um saboroso pastel de queijo. Deus! Um belo pedaço de costela bovina passada na farofa e depois um gole de cerveja. Cada mastigação é sentida como uma masturbação gástrica de ordem divina. Cada engolir é um gozo. 
Esperar-se-ia que após tantos gozos a alegria se estabelecesse novamente. Contudo, o transbordamento de prazer leva a uma fadiga física inevitável. E como a mente e o corpo formam um todo harmônico e indissociável, a fadiga mental também é consequência certa. 
A comida em exagero é embrutecedora e desnecessário. Somos por vezes levados a cometer esse pecado capital. Os pecados não são mais do que a constatação da imperfeição humana, a rejeição a comportamentos ancestrais dos quais muitos destes relutamos em praticar. Uns cometem o pecado da gula mais e outros menos, é, afinal, um comportamento inerente ao ser humano. O que nos conduz ao terceiro e último estádio da glutonaria: o da tristeza, acompanhada da culpa por um ato que lhe pesou fisicamente e até mentalmente. 
Conclui-se que alegria, prazer e tristeza são os estádios, exatamente nesta ordem, que se observam à mesa. Certamente é perfeitamente possível não se chegar ao estádio da tristeza se o comensal for regrado. Porém, os estádios da alegria e do prazer todo ser humano haverá de passar.

APELO DA CIÊNCIA EM NOME DE NOSSOS POMBOS

    Quem salvará nossos pombos?! Já fazem algumas décadas que os nossos pombos caminham para uma existência de insubmissão e miséria. Tudo começou com o advento dos correios, seguido do telégrafo, do telefone, e por fim a internet. O pombo perdeu sua mais ilustre e útil função: o de levar mensagens. Agora o pombo se entrega a miséria e a mendicância por toda a cidade. Nas praças e nos terminais de ônibus, nos bulevares e nas catedrais. Muitos com sérios problemas físicos. Desfigurados por conta de acidentes pela cidade. Obesos pelo consumo de alimentos industrializados, os pombos estão a ponto de não voarem mais. Vivem da mendicidade e no ócio. Não se animam nem mesmo com uma minhoca. Preferem o sabor barbecue de alguns salgadinhos ou o apelo colorido da pipoca doce. 
    Lembro os leitores, para que se compadeçam, que estes pombos de nossa Desterro são herdeiros de uma família com história. Seus avós e bisavós-pombos foram testemunhas de um tempo inigualável nesta ilha. O tempo do grande poeta Cruz e Souza! Os antigos pombos desta ilha certamente assediaram esta ilustre figura. De certo o viram escrever em algum banco da praça, declamar em algum café, ler seu jornal ou livro. Clamaram para ele, talvez, por um alimento. Quem sabe mesmo - com o perdão da expressão vulgar - não cagaram na sua cabeça (se tão desafortunada foi a sua existência, como nos conta sua biografia, então não é um exagero pensar nesta possibilidade).
    Os pombos estão entregues a indiferença humana. "Porcalhões!", indagam alguns. "Transmissores de doença e impertinentes!",  vociferam outros tantos. Esses são alguns dos adjetivos preconceituosos que se ouve pela cidade. Contudo note, estas aves já foram assimiladas pela cidade. Tornaram-se pequenos trabalhadores desta. Aparentemente inúteis no seu ofício, a presença do pombo é necessária, diria mesmo imprescindível. Ele é uma espécie de pequeno lixeiro a catar tudo o que caiba em seu pequeno bojo. Além do que, o pombo é um adereço da paisagem em fotos turísticas e artísticas. De resto, sua carne é iguaria apreciada pelo gourmet urbano. Santo Deus, nada mais útil! 
    Por essa razão e como defensor dos pequenos é que suplico: salvem nossos pombos!

(revisado em 26/01/2021)